terça-feira, 16 de agosto de 2011

Para se chegar ao Lubango

Garanto-vos, sem qualquer margem de dúvida, que chegar ao Lubango foi das coisas mais complicadas que tive em Angola. São tantos episódios, que irei reproduzir os vários diálogos. São curtos. Não maçam.

Após passar uma "espécie" de beco, chegamos ao Aeroporto de Luanda - Voos Domésticos.
À entrada, uma cancela com a respectiva máquina de tickets. O nosso motorista, por não conseguir alcançar o botão (que dá direito ao ticket) teve a ajuda de um rapaz. Adolescente.

Esse mesmo adolescente, mais quatro rapazes correm ao lado do nosso automóvel até estacionarmos.
Ao sairmos do carro (eu, motorista e um colega) somos abordados pelo grupo de rapazes. Rapidamente notam que não possuo cadeado, que uma caixa onde transportamos revistas não está bem acondicionada e que lhe falta um saco de plástico. Tudo bem, estão a ajudar. Vamos à fase de negociação.

Rapaz (R) - Doutores, são 20 dólares!
Colega (C) - Tá tudo doido! Um cadeado, um saco de plástico e fita-cola são 20 dólares? Vão roubar para a estrada...
R - É sério, doutor...os mambos tão caros. Só este plástico é 8 dólar...
Motorista (M) - Quê!!!! O meu irmão vendia esses sacos no Roque Santeiro (mercado) por 2 dólares...
R - Cota, Luanda tá caro...tá difícil...
C - Dou 10 dólares e acabou a história.
R - Assim fico a perder...11 dólares, pode ser?
C - 10 dólares e mais nada.

Continuamos em frente e, quase a entrar no aeroporto, estão dois senhores fardados não sei bem do quê...

Senhor Fardado 1 (SR1) - Ê, êh, Ê, êh...pára aí! O que é isso? (aponta para a caixa que tinha sido selada e que continha revistas)
Ângelo (A) - São revistas.
SR1 - Com esse peso?
A - Sim, são muitas...
SR1 - Nãaaaaoo....isso é ferro!
C - Não senhor guarda. São revistas!
SR1 - Naaaa...isso é ferro.

Após a última afirmação contundente, e certo do que dizia, pede a opinião ao colega do lado.
SR1 - Pega nesse mambo e vê lá se não é ferro?
Senhor Fardado 2 (SR2) - Ê, eh, Ê, Ehhh, ê...isso é ferro!
C - Qual ferro senhores. São revistas. Olhe, tenho aqui duas comigo. Querem? Uma para cada um?
SR2 - Eh, ê, dá só. Gosto de estar informado.

Continuamos e, dois metros a seguir, paramos. Um polícia pede-nos os passaportes.
Polícia (P) - A sua identificação, por favor?
A - Aqui está...
P - Vem da Tuga?
A - Sim.
P - Passe, passe.

Dirigimo-nos para a zona do check-in. Não há filas. Vamos os dois para o mesmo balcão. Entregamos os bilhetes e os passaportes. A senhora, simpática, recebe os documentos e começa a trabalhar a informação que neles consta. Cinco minutos mais tarde e após muita análise, solta uma frase bastante esclarecedora:

Senhora do Balcão (SB) - Não podemos emitir os bilhetes. Esperem ali (aponta para lugar nenhum).
C - Não pode emitir porquê?
SB - Agora não é possível. Não estão no sistema...
A - Mas foram comprados ontem. Como não estão no sistema?
SB - Aguardem ali, por favor (aponta, mais uma vez, para lugar nenhum).

Uma hora e meia depois, e sem esclarecimentos adicionais, a senhora chama-nos para o mesmo balcão. Tira os dois bilhetes. Deseja-nos uma boa viagem.

Dirigimo-nos rapidamente para a zona de detecção de metais. Tiramos os cintos, relógios, portáteis, moedas...tudo. O normal. Passámos sem qualquer problema. Eis que, mesmo ao meu lado, o responsável daquele departamento profere a seguinte frase:

Responsável Departamento (RD) - Tem aí saldo?
A - Saldo?
RD - Saldo, sim. Sabe como é, para a cooperação...nem apitou nada, nem nada!!
A - Não tenho saldo. Sou pessoa de poucas posses.
RD - Ô, ô! Saldo! Só um saldo...
A - Não tenho, não tenho...

Bebo uma caneca de cerveja enquanto aguardo pela chamada de embarque. Bebemos, aliás. O meu colega também acompanha. Faltam, segundo o horário do voo, 20 minutos para que a viagem para o Lubango se inicie. Mas não. Uma hora depois, embarcamos!

Pronto, ok. Vá, não te queixes. Agora é só uma hora de viagem. É tipo Lisboa-Madrid.
Acomodo a minha mochila, sento-me. Aperto o cinto. “Tlam, tlam!!” (aviso sonoro de comunicação interna). É o comandante. Ouçamos o que ele tem a dizer:

Comandante - Devido a questões protocolares, apenas poderemos descolar dentro de 90 minutos. Pedimos desculpa pelo incómodo. Entretanto, vamos passar uma película de grande nomeada. Príncipe da Pérsia!!

E foi isto. Já estou no Lubango.

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